- Boa noite - ele disse, e se sentou ao lado dela. A noite não era das mais bonitas, mas era linda.... daquelas em que tudo é frio como a Lua e a sensação de solidão é maior. Mas no salão era verão, quente e enebriante, talvez sufocante, também era primavera, colorido e enfeitado, e as pessoas alheias ao dialogo dos, dois celebravam a alegria de estar vivo e de ter o samba.
O salão brilhava, a banda tocava, os corações batiam com a cadencia do samba e a beleza das noites de todas as estações que se confundiam no salão. E ele a olhava e ela fingia não ver, algumas vezes os olhares se encontravam, mas mesmo estando frente a frente não ousavam se falar. E a noite passava e ela sorria e brincava com os amigos e descobria que a felicidade sim, existia, mas é como uma ave migratória que nunca fica muito tempo .Então os olhares se fizeram mais frequentes e todos comentaram e riram e brincaram e a festa continuava, e o samba acelerava e os corações batiam e as distancias diminuíam.
Derrepente chega o final da noite, quando a banda se despede mas a alegria das pessoas não diminui e as luzes continuam baixas, ele se aproximou e disse ao ouvido dela " boa noite".
Então as palavras iam e viam e os olhos se encontravam, já sem medo, e as mentes trabalhavam com afinco para encontrar as palavras certas . Ele a olhava e ela lutava contra as palavras auto-destrutivas e a tendência a parecer antipática, ele respondia com ideias que incrivelmente ela também tinha e foi ai que veio o medo.
Ela teve medo de nunca esquecer, de sua síndrome da boa memoria, porque na noite se ouvem palavras belas, mas frias como a lua. As coisas que ele lhe disse tiveram nela o efeito de flechas, não por serem más , ao contrario, as coisas boas costumam ser bem mais perigosas para as pessoas românticas.
Mas eis que nessa mescla de sentimentos e sensações que ele lhe despertou a conversa continuava fluindo, e o temido mas esperado momento chegou. E ele meio, sem jeito, lhe pede um beijo e ela ,já perdida em pensamentos, diz que não. Ele visivelmente desapontado diz que esta tudo bem que ela não precisa fazer nada que não queira, mas eis que uma vez dito isso ela pensa bem e vê que é ridículo dizer que não, mesmo assim alguma coisa,uma sensação parecida com a vergonha a deixa tímida. Ele permanece por mais um tempo se diz cansado começa a querer contar algo de si , mas para, pensa melhor e se despede.
Os dois se abraçam, ela sente meio triste sem saber porque , sabendo apenas que é o abraço do nunca mais, desses que damos a alguém tendo a certeza de que nunca mais o abraçaremos de novo. Então ele se vai, ela o observa por alguns minutos e a ideia óbvia vem a sua mente "se nunca mais o verei não devia ter dito não" mas já é tarde.
A noite então acaba, a luzes se acendem , a música para e ela também se vai , mas leva consigo a imagem dele, que por alguma estranha razão não saí de sua cabeça e, por uma razão mais estranha ainda, ela desde aquele dia escreve contos para nunca esquecer.
Um comentário:
Sobre contos de nunca esquecer, só uma coisa: somos todos loucos!
Loucos que contam com um dia parecer normais. Tão loucos que jamais atreveríamos a criar uma banda nossa e tocar nossos instrumentos invisíveis. Loucos que não escolheríamos um curso de loucos. Loucos a ponto de não nos permitir olhar pro nada, ou fechar os olhos ao ouvir (e melhor, sentir) uma música em público. Loucos incapazes de nos sentar ao lado de um desconhecido e apenas dizer 'Boa Noite!'.
De tão loucos, pensamos muito, muito antes de agir, por medo de sermos loucos.
E dentre os contos, conto com um dia esquecermos de agir assim, feito loucos...
rs..
Beijoo
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