segunda-feira, dezembro 08, 2008

Sentidos

"Não havia ninguém para me ouvir. Eu podia rolar no chão, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar, soluçar, perder a fala. Não havia ninguém para me ver. Ninguém para me ouvir. Não havia ninguém. Eu podia até morrer."
Do conto "Ninguém" de Luiz Vilela


A escuridão do quarto é quase total, cortada apenas pela luz da rua, que a janela aberta deixa entrar. No centro da cama, logo abaixo da janela, esta ela. Deitada de lado, as pernas encolhidas,os braços cruzados junto ao peito, a cabeça apoiada nos joelhos e as unhas cravadas nas palmas das mãos fechadas. Está nua e a luz amarela da rua a ilumina como um grande holofote. A cortina, que o vento às vezes levanta projeta sombras em seu corpo, fazendo-a parecer um bebe grande de mais, mergulhado em um mar de sombras.
Não sabe ha quanto tempo está em essa posição, ha muito perdeu a noção do tempo, se lembra apenas de ter visto como aos poucos seu quarto ia se pintando de negro, invadido pela escuridão, mas não quis se mexer.
O vento frio que entrava pela janela parecia um manto de finas agulhas perfurando sua pele,mas não quis se mexer.Braços e pernas pareciam gritar de dor na posição desconfortável, nas ela não quis se mexer. As palmas das mãos em carne viva pressionadas pelas unhas, mas ela não quer se mexer. Está imóvel. Seus olhos fechados encaram o avesso das pálpebras,a escuridão...constata o que já sabia, dentro de si só escuridão. O silencio do quarto a deixa atenta a sua própria existência, que tanto quer esquecer. A atormenta o bater de seu coração, tão vivo, o barulho do sangue correndo em suas veias...mas ela não ousa se mexer.
Em seu exercício de se esquecer de si, se percebe viva, o frio, a dor , o cheiro de chuva, o barulho de água batendo no vidro da janela, detalhes de quem vive a distraem de seu intento de se esquecer, se divorciar de si, não estar mais em sua companhia, fazer com que seu mundo acabasse, deixar de ser, apenas desaparecer na escuridão do quarto engolido pela noite, se fundir às sombras e não ser mais ela...mas não consegue...só adormece, talvez em sonhos...

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